domingo, 25 de julho de 2010

Escolar de nove anos, masculino, com dor nas juntas e febre há uma semana.



Identificação

Escolar de nove anos, masculino, pardo, natural e procedente de São Paulo.


Queixa e duração

Dor nas juntas e febre há uma semana.


História da doença atual

Mãe relatava quadro de intensa dor articular, associada a edema local em tornozelo direito há cerca de uma semana, com comprometimento da deambulação. Há três dias evidenciou-se o acometimento do joelho esquerdo, com vermelhidão, calor local e limitação do movimento. Associado ao quadro, apresentava febre diária (cerca de 38oC) vespertina, anorexia, palidez e desânimo para as atividades rotineiras.

Negava traumas, lesões em pele, dor em coluna, punhos, mãos, cotovelos, ombros, pés e quadris, ou alteração do hábito intestinal.

Mãe relatava quadro "gripal" caracterizado por febre, tosse e dor de garganta há cerca de 15 dias, com melhora espontânea após utilização de antitérmicos e sem procura de serviço médico.


Antecedentes pessoais

Perinatais: nada digno de nota

Patológicos: Internação aos oito meses de idade por quadro de broncopneumonia e anemia. Quadros respiratórios virais recorrentes na infância. Mãe desconhecia presença de sopro cardíaco.


Condições familiares e de moradia

Pai falecido há quatro anos, diabético.
Mãe, 48 anos, doméstica, saudável.
Irmãs: 26a, 22a, 19a, 15a e 9a, saudáveis.
Casa de alvenaria, três cômodos, em área periférica, com condições adequadas de saneamento básico e luz elétrica. Água filtrada presente. Moradia ocupada por seis pessoas (mãe e cinco filhos). Ausência de animais no peridomicílio.


Condições sócio-econômicas

Renda familiar em torno de dois salários mínimos. Alimentação adequada dentro das possibilidades sócio-econômicas da família.


Desenvolvimento neuropsicomotor

Adequado para idade. Freqüentava a quarta série do ensino fundamental com regular rendimento escolar.


Vacinação

Carteira atualizada de acordo com o calendário oficial do Estado.


Exame físico de admissão

Bom estado geral, ativo e colaborativo ao exame, afebril, com mucosas úmidas e hipocoradas 1+/4+, anictérico, eupneico, sem adenomegalias palpáveis.

• Tecido celular subcutâneo e massa muscular: tróficos
• Peso: 22 Kg (p10)
• Estatura: 128cm (p10-25)
• Temperatura axilar: 36,8oC
• Freqüência cardíaca: 80 bpm
• Freqüência respiratória: 24 ipm
• Pressão arterial: 100 x 70 mmHg
• Oroscopia e otoscopia: sem alterações
• Ausculta pulmonar sem alterações
• Ausculta cardíaca: Ritmo cardíaco regular com bulhas normofonéticas e sopro cardíaco diastólico suave ++/6+ em bordo esternal esquerdo alto.
• Abdome: globoso, depressível, ruídos hidro-aéreos presentes, indolor à palpação profunda, sem visceromegalias.
• Neurológico: sem alterações
• Exame articular: Tornozelo direito com discreto edema e hiperemia e dor à manipulação. Joelho esquerdo tumefeito, discretamente hiperemiado com aumento do calor local e restrição ao movimento de flexo-extensão. Demais articulações livres.


Exames complementares

Laboratoriais

Hb: 9,8 g% Ht: 29%
leucócitos: 7.500/ mm3 (00% bastonetes, 63% segmentados, 03% eosinófilos, 00% basófilos, 31% linfócitos, 03% monócitos, plaquetas: 516 mil/mm3, Velocidade de hemossedimentação (VHS): 63 mm/1h (VR: até 13 mm/1h).

Proteína C reativa: 185 mg/L (VR: inferior a 5mg/L)

Fator anti-núcleo: não-reagente

Fator reumatóide: inferior a 15 UI/ml (VR: até 40 UI/ml)

Anti estreptolisina O: 1181 UI/ml (VR: até 200 UI/ml)

Cultura de orofaringe

Estreptococo beta-hemolítico do grupo A.

Radiografia de tórax

Área cardíaca normal e congestão peri-hilar.

Eletrocardiograma

Ritmo sinusal com freqüência de 75 bpm, ausência de distúrbios de condução, espaço PR normal, sobrecarga ventricular esquerda.

Ecocolordopplercardiograma

Câmaras cardíacas e pericárdio de aspecto normal, ventrículo esquerdo de espessura e função preservadas, valvas aórtica com discreto espessamento e refluxo leve, demais valvas e fluxos normais.

Conclusão: Espessamento valvar aórtico com insuficiência leve.


Diagnóstico

Febre Reumática


Considerações finais

A febre reumática (FR) é considerada uma complicação não supurativa da infecção de orofaringe pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A. Seu diagnóstico é basicamente clínico, sendo utilizados os critérios de Jones modificados. Sugere-se que dois sinais maiores ou um maior e dois menores, acompanhados de evidência de estreptococcia anterior estejam presentes para que seja feito o diagnóstico de FR. Nesse caso observou-se a artrite (não manifestada de forma típica, como poliatrite migratória e sim de forma aditiva) e a cardite, com sinais laboratoriais da fase inflamatória aguda e evidência de infecção estreptocócica prévia.

JCP, 26 anos, parda, casada, natural do Rio de Janeiro, do lar, queixando-se de dor na barriga e perda de líquido



Identificação

JCP, 26 anos, parda, casada, natural do Rio de Janeiro, do lar.

Queixa principal

"Dor na barriga e perda de líquido"

História da doença atual

Paciente refere início do quadro há cerca de 4 horas com dor em região hipogástrica, de leve a moderada intensidade e associada a eliminação de secreção vaginal mal caracterizada. Nega outros sintomas associados. Não estava fazendo pré-natal regular e segundo sua história menstrual se encontrava na 18a semana de gestação.

História patológica pregressa

Nega patologias prévias e alergias medicamentosas.

História familiar

Pais hipertensos e vivos.

História fisiológica

Menarca aos 12 anos, ciclos regulares de 28 dias
GII P0 AI

História social

Nega tabagismo e/ou etilismo.

Exame físico

Regular estado geral, hidratada, hipocorada 3+/4+, afebril, anictérica.
Pressão arterial = 160/110 mmHg
Freqüência cardíaca = 98 bpm
Aparelho cardiovascular: RCR, 2T BNF. Discreto sopro sistólico em foco mitral.
Aparelho respiratório: sem alterações.
Fundo uterino = 23 cm
BCF positivo
Atividade uterina = 2/10'/25''.
Exame especular: Discreto corrimento amarelado, sem odor fétido. Não foi evidenciada perda de líquido amniótico.
Toque vaginal: colo longo, posterior, dilatado para 1 cm.

Impressão diagnóstica

Ameaça de trabalho de parto prematuro e DHEG

Conduta

Internação. Tocólise venosa, rotina de Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG), USG, iniciado metildopa 750 mg/dia, corticoterapia para maturação pulmonar fetal.

Resultado dos exames

Hematócrito = 23%; Hemoglobina = 6,7; TGO = 12; TGP = 15; Plaquetas = 27000.
USG: Gestação tópica de cerca de 27 semanas. Volume de liquido amniótico normal. Fluxo fetoplacentário normal.

Evolução

Foi realizado esfregaço de sangue periférico, onde se evidenciou numerosos blastos, levantando-se a hipótese de leucemia aguda e indicado aspirado de medula óssea. O trabalho de parto foi adequadamente inibido e a pressão arterial controlada. Foi suspensa a corticoterapia por orientação do hematologista para não dificultar a interpretação do mielograma.

O mielograma afastou a hipótese de leucemia aguda e sugeriu o diagnóstico de Púrpura Trombocitopênica Imunológica (PTI). As sorologias para citomegalovírus, HIV, rubéola, herpes, toxoplasmose e parvovírus B19 foram negativas.

Diagnóstico

Doença Hipertensiva específica da gestação (DHEG) e Púrpura Trombocitopênica Imunológica.

Conduta

Foi realizada hemotransfusão com elevação do hematócrito para 29% e reiniciado corticoterapia com dexametasona venosa para aceleração da maturação pulmonar fetal (foi contra-indicado o uso de betametasona intramuscular).

A paciente recebeu alta após dez dias de internação com pressão arterial de 130 x 80 mmHg, hematócrito de 29,5% e plaquetas de 40000. Manteve acompanhamento ambulatorial com dosagem duas vezes por semana de plaquetas e corticoterapia semanal.

Na 33a semana de gestação foi reinternada para administração de gamaglobulina hiperimune intravenosa com intenção de elevar os níveis de plaquetas devido a possível interrupção da gestação. A resposta foi insatisfatória com elevação para 70000 com posterior queda no terceiro dia de administração. Foi então indicada corticoterapia com prednisona na dose de 60 mg/dia, com excelente resposta e nível plaquetário de 160000. A gestação foi interrompida na 34ª semana de gestação por operação cesareana, após a paciente ter entrado em trabalho de parto e nível de plaquetas de 156000. Não houve intercorrências hemorrágicas durante o procedimento, com recém-nascido do sexo masculino, índice de Apgar 8/9/10, pesando 2200g.

Optou-se por parto cesáreo devido ao risco de trombocitopenia fetal e tocotraumatismo com hemorragia cerebral em parto vaginal. O recém-nascido foi acompanhado com dosagem de plaquetas durante os 5 primeiros dias de vida (pico máximo de trombocitopenia), sem alterações.

Discussão

Cabe esclarecer algumas questões importantes. O diagnóstico de púrpura só foi feito devido a uma pesquisa de Síndrome HELLP em paciente hipertensa; a corticoterapia para aceleração da maturação pulmonar não deve ser feita antes do mielograma, pois pode alterar a expressão de antígenos de superfície dos leucócitos e impossibilitar o diagnóstico correto. Na ausência de sangramento ativo e com níveis de plaquetas superiores a 40000 a paciente pode ser acompanhada ambulatorialmente e deve se utilizar gamaglobulina hiperimune e/ou corticoterapia antes do parto para diminuir a possibilidade de complicações hemorrágicas.

Quando os níveis de plaquetas maternos estão normais raramente o feto possui trombocitopenia, mas essa relação não é direta e deve se cogitar a interrupção sistemática da gestação por parto cesáreo para evitar conseqüências graves de tocotraumatismo neonatal devido à trombocitopenia fetal. Deve-se acompanhar o recém-nato com dosagem diária de plaquetas por pelo menos 5 dias para diagnosticar possível trombocitopenia neonatal.

Conclusão

Embora não seja freqüente o diagnóstico de PTI na gestação, é importante que o obstetra tenha em mente esse diagnóstico e conheça as peculiaridades do acompanhamento obstétrico nesses casos.