domingo, 25 de julho de 2010

JCP, 26 anos, parda, casada, natural do Rio de Janeiro, do lar, queixando-se de dor na barriga e perda de líquido



Identificação

JCP, 26 anos, parda, casada, natural do Rio de Janeiro, do lar.

Queixa principal

"Dor na barriga e perda de líquido"

História da doença atual

Paciente refere início do quadro há cerca de 4 horas com dor em região hipogástrica, de leve a moderada intensidade e associada a eliminação de secreção vaginal mal caracterizada. Nega outros sintomas associados. Não estava fazendo pré-natal regular e segundo sua história menstrual se encontrava na 18a semana de gestação.

História patológica pregressa

Nega patologias prévias e alergias medicamentosas.

História familiar

Pais hipertensos e vivos.

História fisiológica

Menarca aos 12 anos, ciclos regulares de 28 dias
GII P0 AI

História social

Nega tabagismo e/ou etilismo.

Exame físico

Regular estado geral, hidratada, hipocorada 3+/4+, afebril, anictérica.
Pressão arterial = 160/110 mmHg
Freqüência cardíaca = 98 bpm
Aparelho cardiovascular: RCR, 2T BNF. Discreto sopro sistólico em foco mitral.
Aparelho respiratório: sem alterações.
Fundo uterino = 23 cm
BCF positivo
Atividade uterina = 2/10'/25''.
Exame especular: Discreto corrimento amarelado, sem odor fétido. Não foi evidenciada perda de líquido amniótico.
Toque vaginal: colo longo, posterior, dilatado para 1 cm.

Impressão diagnóstica

Ameaça de trabalho de parto prematuro e DHEG

Conduta

Internação. Tocólise venosa, rotina de Doença Hipertensiva Específica da Gestação (DHEG), USG, iniciado metildopa 750 mg/dia, corticoterapia para maturação pulmonar fetal.

Resultado dos exames

Hematócrito = 23%; Hemoglobina = 6,7; TGO = 12; TGP = 15; Plaquetas = 27000.
USG: Gestação tópica de cerca de 27 semanas. Volume de liquido amniótico normal. Fluxo fetoplacentário normal.

Evolução

Foi realizado esfregaço de sangue periférico, onde se evidenciou numerosos blastos, levantando-se a hipótese de leucemia aguda e indicado aspirado de medula óssea. O trabalho de parto foi adequadamente inibido e a pressão arterial controlada. Foi suspensa a corticoterapia por orientação do hematologista para não dificultar a interpretação do mielograma.

O mielograma afastou a hipótese de leucemia aguda e sugeriu o diagnóstico de Púrpura Trombocitopênica Imunológica (PTI). As sorologias para citomegalovírus, HIV, rubéola, herpes, toxoplasmose e parvovírus B19 foram negativas.

Diagnóstico

Doença Hipertensiva específica da gestação (DHEG) e Púrpura Trombocitopênica Imunológica.

Conduta

Foi realizada hemotransfusão com elevação do hematócrito para 29% e reiniciado corticoterapia com dexametasona venosa para aceleração da maturação pulmonar fetal (foi contra-indicado o uso de betametasona intramuscular).

A paciente recebeu alta após dez dias de internação com pressão arterial de 130 x 80 mmHg, hematócrito de 29,5% e plaquetas de 40000. Manteve acompanhamento ambulatorial com dosagem duas vezes por semana de plaquetas e corticoterapia semanal.

Na 33a semana de gestação foi reinternada para administração de gamaglobulina hiperimune intravenosa com intenção de elevar os níveis de plaquetas devido a possível interrupção da gestação. A resposta foi insatisfatória com elevação para 70000 com posterior queda no terceiro dia de administração. Foi então indicada corticoterapia com prednisona na dose de 60 mg/dia, com excelente resposta e nível plaquetário de 160000. A gestação foi interrompida na 34ª semana de gestação por operação cesareana, após a paciente ter entrado em trabalho de parto e nível de plaquetas de 156000. Não houve intercorrências hemorrágicas durante o procedimento, com recém-nascido do sexo masculino, índice de Apgar 8/9/10, pesando 2200g.

Optou-se por parto cesáreo devido ao risco de trombocitopenia fetal e tocotraumatismo com hemorragia cerebral em parto vaginal. O recém-nascido foi acompanhado com dosagem de plaquetas durante os 5 primeiros dias de vida (pico máximo de trombocitopenia), sem alterações.

Discussão

Cabe esclarecer algumas questões importantes. O diagnóstico de púrpura só foi feito devido a uma pesquisa de Síndrome HELLP em paciente hipertensa; a corticoterapia para aceleração da maturação pulmonar não deve ser feita antes do mielograma, pois pode alterar a expressão de antígenos de superfície dos leucócitos e impossibilitar o diagnóstico correto. Na ausência de sangramento ativo e com níveis de plaquetas superiores a 40000 a paciente pode ser acompanhada ambulatorialmente e deve se utilizar gamaglobulina hiperimune e/ou corticoterapia antes do parto para diminuir a possibilidade de complicações hemorrágicas.

Quando os níveis de plaquetas maternos estão normais raramente o feto possui trombocitopenia, mas essa relação não é direta e deve se cogitar a interrupção sistemática da gestação por parto cesáreo para evitar conseqüências graves de tocotraumatismo neonatal devido à trombocitopenia fetal. Deve-se acompanhar o recém-nato com dosagem diária de plaquetas por pelo menos 5 dias para diagnosticar possível trombocitopenia neonatal.

Conclusão

Embora não seja freqüente o diagnóstico de PTI na gestação, é importante que o obstetra tenha em mente esse diagnóstico e conheça as peculiaridades do acompanhamento obstétrico nesses casos.

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